terça-feira, 27 de janeiro de 2015

quando desejei não ser.

Foto: Felipe Arthur 

Esse lugar por onde meus pés pisam está se dissolvendo em lavas como um vulcão. Tudo parece tão caótico e sem destino. É tanta massa, tanto volume e tanto disfarce também. Existe aqui um desencontro entre os dois lados que carrego. Eu tenho dois gêneros gritando dentro do meu corpo. Quando sou homem,  meu corpo me paralisa. Quando sou mulher, meus olhos alcançam tudo que não quero ver. E quando sou nada, apenas respiro. Tudo me consome, inclusive a ausência de ser.
Eu olho fixamente minhas mãos e elas parecem tão enrugadas. Minhas veias conseguem dançar nessa cor azul ressaltada por uma camada fina de pele. Há aqui, uma oralidade silenciosa e cansada, porque toda palavra emitida pelas minhas cordas vocais parece tão inútil, tão desprezível que, meus ouvidos também reclamam. Não existe silêncio dentro da angústia. Aqui está minha cara amassada e rígida, coberta com linhas de expressão quase tatuadas com agulhas de desconhecidos. Gasto horas do meu dia apenas desejando controlar minhas sinapses. Estou encarcerada por essas formigas, essa fumaça, essa agenda, essas cores derretidas...
Se eu pudesse escolher não ser gênero algum. Ser apenas um buraco negro ou branco, que seja. Sem pés, ou mãos, ou órgãos considerados desenvolvidos, talvez eu suportasse essa existência e ansiasse por uma esperançosa explosão.
Por hora, eu sou máquina programada para dizer a palavra desejada que é o SIM.