terça-feira, 27 de janeiro de 2015

quando desejei não ser.

Foto: Felipe Arthur 

Esse lugar por onde meus pés pisam está se dissolvendo em lavas como um vulcão. Tudo parece tão caótico e sem destino. É tanta massa, tanto volume e tanto disfarce também. Existe aqui um desencontro entre os dois lados que carrego. Eu tenho dois gêneros gritando dentro do meu corpo. Quando sou homem,  meu corpo me paralisa. Quando sou mulher, meus olhos alcançam tudo que não quero ver. E quando sou nada, apenas respiro. Tudo me consome, inclusive a ausência de ser.
Eu olho fixamente minhas mãos e elas parecem tão enrugadas. Minhas veias conseguem dançar nessa cor azul ressaltada por uma camada fina de pele. Há aqui, uma oralidade silenciosa e cansada, porque toda palavra emitida pelas minhas cordas vocais parece tão inútil, tão desprezível que, meus ouvidos também reclamam. Não existe silêncio dentro da angústia. Aqui está minha cara amassada e rígida, coberta com linhas de expressão quase tatuadas com agulhas de desconhecidos. Gasto horas do meu dia apenas desejando controlar minhas sinapses. Estou encarcerada por essas formigas, essa fumaça, essa agenda, essas cores derretidas...
Se eu pudesse escolher não ser gênero algum. Ser apenas um buraco negro ou branco, que seja. Sem pés, ou mãos, ou órgãos considerados desenvolvidos, talvez eu suportasse essa existência e ansiasse por uma esperançosa explosão.
Por hora, eu sou máquina programada para dizer a palavra desejada que é o SIM.


domingo, 2 de novembro de 2014

Era tão alto aquele silêncio.

Era um silêncio absurdo de corpos e de espaços.
Somente o barulho dos motores dos automóveis que raramente por ali passavam, podiam, por milésimos de segundos, quebrar aquela áurea magnífica.
E tinha o frio.
Frio bom! Daqueles que exercem a função de aquecer.
Singeleza de presenças. Pequenos e médios insetos pairando sobre todos os objetos que haviam.
Uma luz destoante e artificial fixada no teto. Estranha, mas participativa. Ela também se declarava silenciosa, à sua maneira.
Gotas de chuva sob o telhado também dispersavam no tempo.
Branco e preto de paredes e sombras.
Seguíamos flutuando.
Ele no seu canto à beira da escada, envolvido em seu caderno de anotações.
Ela na cama em estado de inconsciência que a permitia descansar em sonhos.
Eu, extasiada com a possibilidade de olhar para dentro de todas as cenas.
Não queria dormir. Era tão alto aquele silêncio que toda oralidade se escondeu e as palavras só permitiam dedos. Dedos com canetas eufóricas.
Em retorno à parede, estavam novamente brincando os insetos.
Aqui é tão possível escutar o silêncio das coisas.



(Eu, ela, ele e nossos segredos.)
Itatiaia -  24 de outubro de 2014.


 

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

30 dias sem sexo.


Estarrecedor é deparar-me com a contagem dos meus dias de abstinência. Não foi uma escolha consciente estar há exatos 30 dias sem sexo. A ausência de outros corpos se deu naturalmente pelo meu corpo próprio. Quando olhei a porta do meu quarto hoje, senti a total apropriação das minhas mãos por ser a única que a abriu e a fechou esses dias. No fundo eu não estou sem sexo, porque transo comigo todos os dias, mas só o meu desejo com o meu desejo se encontra.
Meu sexo não é dócil. É da vontade de dominar, por isso não é piedoso. Quando meu líquido vaginal encontra provador, meu martelo bate sobre a mesa e sinto uma verdade que domino por instantes. Não se trata de regras, mas de proteção de espécie. Não há mais paladinos de amor, nem declarações. Meu ato de fervor me consome, porque ardi intensamente e causei faíscas e chamas. Tanta sede desse rio que engasgar foi inevitável. É quase um ácido essa água que ofereço.
Meu sexo existe para desamar outrem e experimentar a dúvida e a perda. Meu sexo quer deixar partir, ainda que com critérios, para ser elegante.  Eu tenho saudades de todos aqueles corpos, mas isso não muda nada, pois é evidente que meu gozo tem vazão e quase nunca razão. Quando será que o sexo me dominou? Meu sexo não é mais uma arte ou uma paixão. Nem a imagem dionisíaca de um espetáculo inacabado. Por onde anda minha agenda? Talvez perdida dentro de um sapato que não cabe calçar agora para não se sujar de lamas. Meu sexo está atravessado por uma agulha de costura que não tem linha, não tece, não junta. Meu sexo está arbitrário e não quer seguir rotinas de domingo. Meu sexo parece desaparecer como se nunca tivesse sido visto por ninguém.
Meu sexo foi saqueado por exploradores que não conseguiram levar minha terra. E agora não quer fazer escambo, nem empréstimos. Também não exige devolução de bens.
Meu sexo quer ser anarquista, mas não sabe ainda. Ele saiu de casa.
para que?
para onde?
Meu sexo está caminhando sem rumo, quase perdido, reconhecendo notoriamente sua decadência. Meu sexo aprendeu a importância da sua própria ausência.

terça-feira, 1 de julho de 2014

tendência


Eu comprei uma camiseta nova
pra esquecer meu passado,
depois vesti um jeans de 89.

Que dia cinza!

domingo, 15 de junho de 2014

sexta feira - da paixão

Os sentimentos que conheço também me doem. É possível que isso torne o título do meu blog bastante incoerente. Bem, isso foi apenas um pensamento ligeiro que me ocorreu por agora. Na verdade o que eu estou tentando entender é quando é que essa coisa de sentimento se esclarece para quem se aventura nele. Tenho a sensação constante, e já faz alguns dias, de estar completamente apaixonada. E trata-se de uma reflexão angustiante sobre o fato, pois no fundo, tudo que eu queria era deixar-me tomar por essas sensações de arrepio, de desejo, de saudade, de presença, de ausência, de ansiedade e de uma constante vontade de estar perto, corpo no corpo. Não consigo! Eu tenho a estranha mania de racionalizar tudo que se passa comigo e categorizar cada ação para encaixa-la em um sistema que a ciência, a filosofia, a literatura, a matemática, a biologia ou até mesmo a NASA consiga explicar.
 Permito-me sentir? Sim. Entrego-me, me liberto de tabus, deixo as experiências proliferarem sobre meu corpo. Mas por pouco tempo.
 Eu que não defendo o tempo cronológico dentro da poesia, não consigo escapar dele quando me dou conta de que a paixão apoderou-se de mim. E ela (a paixão), ora é fulminante, ora é delicada e suave. Ela fica rodopiando na minha cabeça como se fosse coreógrafo de escola de samba. Eu tento fugir das amarras que ela me apresenta, mas sem perceber, lá estou eu, enforcada por ela, implorando por um mínimo de oxigênio que ainda me permita respirar. Uma mistura de alegria e desespero. 
Dormir? Já não consigo há dias. A paixão também rouba o sono. Deixa-me na vigília do sentimento, tentando conexão com o alvo dela pela madrugada afora, pois ela acredita em telepatia, em todos os misticismos possíveis e na energia natural que ela afirma possuir.

Chega de usar a terceira pessoa. Já não entendo mais o que eu quero escrever. A paixão e Eu já não nos dissociamos mais. O que ela faz é o que eu faço. Ela me possuiu como uma daquelas entidades invocadas. 

 No fundo eu estou bastante intrigada com a maneira com que tudo começou. Eu me apaixonei antes... Antes mesmo de estar apaixonada. Me apaixonei antes do beijo, antes do sexo, antes de me dar conta de que eu precisa me dar conta. Não me apaixonei pelo gênero, pela estética, nem pela inteligência, como seria mais provável acontecer. Me apaixonei pelo que eu não via, pelo que eu não tinha. Me apaixonei pela delicadeza de nem mesmo ser percebida naquela fantasia toda que eu criava quando estava próxima daquele ser.

O meu desejo é tão imenso que conduz minha direção de forma a contrariar todas as minhas razões. E eu já não consigo mais textualizar essa coisa estranha que é estar apaixonada. Vou me refugiar em Roland Barthes pra finalizar o que meus dedos já encerraram. 

    O Coração é o órgão do desejo (o coração se dilata, falha, etc.; como o sexo), tal como ele é retido, encantado, no campo do imaginário. O que é que o mundo, o que é que o outro vai fazer do meu desejo? Essa é a inquietude que reúne todos os movimentos do coração, todos os "problemas" do coração. 


                                                           (Fragmentos de um discurso amoroso, pag. 64)

domingo, 8 de junho de 2014

Ela, eu e o amor.

Ela se foi. 
Não houve despedidas. Nem mesmo aquele encontro onde os olhos desejam coisas contrárias do que o verbo exposto afirma. Não costumo partir ou deixar alguém partir assim da minha vida, mas dessa vez aconteceu. No fundo, acho que eu fui embora primeiro. Eu sempre ia. 
Eu escorria devagar sempre que o amor inflamava dentro de mim. Sempre fugindo, tentando espantar aquela chama intensa com sensações noturnas efêmeras. 
Ela...
Se entregava com dúvidas, cautela e muitas perguntas. Por vezes suas questões me alcançavam, mas em suma, muitas ficaram guardadas. Mas amava! amava sim porque eu podia sentir seu amor até mesmo naqueles lugares onde ele se escondia. Era um amor com cuidado. Desses que a gente embala com papel de presente e depois guarda em caixinha de papel. 
 Ela tinha o dom de escutar. Eu podia falar por horas e horas que ela estava ali, presa e envolvida nas minhas palavras. Sabia encaixa-las muito bem nos momentos que eu desorganizava tudo dentro da cabeça. Quase nunca interrompia. Ela era uma mulher autêntica. Impossível descrevê-la dentro de estereótipos ou padrões femininos. Não gostava de cebolas, nem ovos, nem saladas. A coisa da cebola me impressionava. Gostava de comida consistente. Acho que ela gostava de tudo com consistência. 
Nosso sexo não durava a noite toda, ao contrário, nos esgotávamos com muita rapidez, tamanha a intensidade daquele sexo quase sempre selvagem. Era um penetrar que alcançava bem mais que o corpo. Meu gozo com ela era metafísico. 
Eu fui...
Desconfigurei meu estado de amante no amor que me foi oferecido. Construí uma película (nada transparente) para me envolver enquanto ela fazia pequenos buracos nessa bolha para que eu  pudesse respirar. 
Fui variando entre dentro e fora e escapando dos meus próprios desejos. De toda aquela vontade de deitar e acordar ao lado dela. Sumindo e me dissipando como a fumaça dos cigarros que eu tragava cada vez que percebia que ela era a mulher que eu não pensava existir. Mas existiu! 
Nos perdemos nos territórios dos nossos impetuosos sonhos. Por vezes ainda a encontro presa em um espaço dentro de mim, mas logo ela se vai novamente. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2013


Minha vida amorosa é
rudimento e ruína
prefácio e desfecho

Mas amor não é travessia?

Talvez eu ame tanto o fim
que já me encerre no começo

Luna Vitra
(porque sua poesia me encanta!)